sexta-feira, 23 de junho de 2017

Roger Waters - "Wait For Her" / "Oceans Apart" / "Part Of Me Died"

"When I laid eyes on her, a part of me died"


Ainda o novo álbum do Roger Waters. Confesso que tenho andado completamente vidrado em "Is This The Life We Really Want?". Para terem uma ideia da dimensão da obsessão, confidencio-vos o meu Top 10 dos mais ouvidos da última semana no Spotify:



... e isto obviamente não conta com o número de audições do vinil, que já levou umas valentes esfregas. Já agora, se usam o Spotify, aconselho-vos vivamente a fazerem a sincronização com a conta no Last.fm (e se não a têm, criem). Analisar estas estatísticas is half the fun da listening experience. É a banda sonora da nossa vida, right there, ali exposta. Mas voltemos ao Roger.

Tenho grande estima pelos álbuns a solo do Roger. Todos os três anteriores ("The Pros And Cons Of Hitch Hiking", "Radio KAOS" e "Amused To Death") fizeram parte da minha vida de uma forma ou de outra, mas "Is This The Life We Really Want?" aterrou aqui como um pára-quedas humanitário numa zona de catástrofe. Nenhum álbum me moveu assim nos últimos anos, talvez desde que descobri "All Things Must Pass" em 2011. Por isso este é especial. Este sim, é o melhor álbum de sempre do Roger; e nesta segunda parte da minha review vou continuar a explicar-vos porquê.

Hoje vou falar do outro lado do novo álbum de Roger Waters. Para lá da visão niilista da vida e do mundo, "Is This The Life We Really Want?" é um exercício de introspecção implacável. Roger despe-se por completo, olha para dentro e escava a fundo em si mesmo. Nu e cru. Sem medos. E desta vez, não é só a interminável saga do pai que morreu na guerra; é o Roger himself, que morreu por dentro, bocadinho a bocadinho e quer falar sobre isso. Este é o álbum mais pessoal de toda a sua carreira. E se eu tivesse que apostar, diria que este álbum confessional só chegou agora, porque só agora é que Roger aprendeu a olhar para dentro.

Roger Waters tem 73 anos e por esta altura já está ciente do que é. Após 4 casamentos e outros tantos divórcios, Roger já percebeu loud and clear que é unloveable — melhor, sabe que pode até chegar alguém que o ame, mas nunca quererá partilhar a sua vida com ele; nunca ninguém o vai aturar. Já o Freddie se queixava do mesmo.
Roger é um homem muito intenso e não é fácil encontrar alguém que saiba (e queira) lidar com alguém assim (eu também sei um bocadinho do que é isso e talvez por isso me tenha identificado tanto com o Roger ao longo dos anos). Mas aquilo que falta ao Roger em inteligência emocional, sobra-lhe no domínio com as palavras (e às vezes com a música). O novo álbum foi a forma que ele encontrou para expressar o que lhe ia na alma e quiçá estabelecer comunicação com alguém importante.

Como a sua personalidade, "Is This The Life We Really Want?" é uma audição extenuante. É o perfeito espelho da intensidade de Roger, tanto quando fala de política, como quando fala de amor. Atentemos, pois, na intensa trilogia que fecha o álbum: "Wait For Her" / "Oceans Apart" / "Part Of Me Died". Esta sequência é de partir o coração, tão pessoal que chega a ser desconfortável.

"Wait For Her" é baseado num poema do autor palestiniano Mahmoud Darwish e fala de como o "verdadeiro amor espera" (e o produtor Nigel Godrich sabe acerca disso): "And if she comes soon, wait for her / And if she comes late, wait". "Oceans Apart" fala sobre o momento mágico do primeiro encontro e serve de introdução para a declaração de amor que vem a seguir.

A última parte é "Part Of Me Died", que parece tudo menos o título de uma canção de amor (um pouco como o "If I Had A Gun" do Noel Gallagher). É porém tão somente uma das mais bonitas, mais sinceras e mais despidas canções de amor de sempre. Despida é mesmo a palavra. Porque só quando nos despimos (por dentro e por fora, obviamente) é que o amor pode funcionar. Roger abre o coração e confessa todos os seus pecados, um por um:
The part that is envious; Cold hearted and devious; Greedy, mischievous; Global, colonial; Bloodthirsty, blind; Mindless and cheap; Focused on borders; And slaughter and sheep; Burning of books; Bulldozing of homes; Giving to targeted killing with drones; Lethal injections; Arrest without trial; Monocular vision; Gangrene and slime; Unction, sarcasm; Common assault; Self-satisfied heroic killers; Lifted on high: Piracy adverts; Acid attacks on women by bullies and perverts and hacks; The rigging of ballots and the buying of power; Lies from the pulpit; Rape in the shower; Mute, indifferent; Feeling no shame; Portly, important; Leering, deranged; Sat in the corner; Watching TV; Deaf to the cries of children in pain; Dead to the world, just watching the game Watching endless repeats; Out of sight, out of mind; Silence, indifference; The ultimate crime.
But when I met you, that part of me died
Roger é uma besta e ele sabe disso. E como vemos, já não tem pudor em confessá-lo de todas as maneiras possíveis. Literalmente.
Mas até ele fecha o seu álbum mais niilista com um laivo de esperança:
Bring me a bowl to bathe her feet in, bring me my final cigarette
It would be better by far to die in her arms than to linger in a lifetime of regret

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