quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

U2 - "Love Is Blindness"

"A dangerous idea that almost makes sense."



Do amor.
Porque o amor é uma doença.

______________________________

"Love is blindness. I don't want to see."
Da cegueira. 
Porque o amor é a venda que nos tapa os olhos para a realidade que não queremos ver.
______________________________


"Won't you wrap the night around me? Take my heart... Love is blindness."
Da rendição. Da mentira.
Porque o amor é a aceitação voluntária de uma ilusão, um ideal que não existe.
______________________________


"In a parked car, in a crowded street, you see your love made complete."
Do terrorismo. 
Porque não existe mais cruel forma de terrorismo, do que destroçar um coração.
______________________________


"Thread is ripping, the knot is slipping... Love is blindness."
Do descontrolo.
Porque o amor é a corda de sanidade que rompe, a loucura que nos rouba o auto-controlo.
______________________________


"Love is clockworks and cold steel. Fingers too numb to feel."
Do desespero. 
Porque o amor é a vida a ferro e fogo, uma bomba-relógio que não sabemos quando vai rebentar.
______________________________


"Squeeze the handle, blow out the candle... Love is blindness."
Da escuridão.
Porque o amor é a entrada num quarto escuro de emoções fora do nosso controlo.
______________________________


"A little death, without mourning."
Da morte.
Porque morremos um pouco, sempre que o amor não é correspondido.
______________________________


"No call and no warning."
Do medo.
Porque o amor não avisa quando ataca.
______________________________


"A dangerous idea that almost makes sense."
Do perigo. 
Porque as ideias mais catastróficas são aquelas que quase fazem sentido.
______________________________


"Love is drowning in a deep well..."
Do fundo do poço.
Porque o amor nos pode atirar para a mais escura das profundezas.
______________________________


"All the secrets, and no one to tell."
Do isolamento.
Porque o amor é uma doença solitária, que mais ninguém pode compreender.
______________________________


"Take the money, honey... It's blindness."
Do vazio. 
Porque de nada serve ter os bolsos cheios, quando se tem o coração vazio.

______________________________


"Love Is Blindness" é uma canção que fala do amor, mas não de um amor qualquer. 
Fala da cegueira, da rendição, da ilusão, do terrorismo, do descontrolo, do desespero, da escuridão, da morte, do medo, do perigo, do fundo do poço, do isolamento, do vazio, de todos os estilhaços que nos atingem quando o amor rebenta na nossa cara. 
É uma ode ao amor cortante, ao amor atormentado.


Todo o álbum "Achtung Baby" explora a ideia do amor como uma fraqueza, uma deficiência. 
Para trás ficam as visões idílicas do amor que a banda deixara em temas como "All I Want Is You", onde Bono gritava a plenos pulmões que ela era tudo o que queria. Em "Achtung Baby", os U2 afirmam-se como uma banda adulta e retratam o lado escuro do mais complexo conceito da humanidade, da única forma de loucura socialmente aceitável: o amor.

"My heart is where it's always been, my head is something in between"  

"Even Better Than The Real Thing"

Em "Achtung Baby", os U2 mostram a natureza potencialmente destrutiva do amor, como uma força que nos desfigura, nos atemoriza (o medo de voltar a tentar), nos tenta pelo proibido ("Mysterious Ways") e nos leva ao limite do desespero.

______________________________


"Love Is Blindness" é uma das mais dilacerantes faixas de toda a carreira dos U2. O tema fecha "Achtung Baby" e resume na perfeição o ambiente escuro e sombrio para onde o álbum nos transporta. Escrito originalmente para Nina Simone, a banda não quis abrir mão do tema e decidiu incluí-lo no seu álbum de transformação
The Edge separou-se da sua mulher durante as gravações de "Achtung Baby" e o que ouvimos neste tema é o que o guitarrista dos U2 tinha para dizer sobre o assunto.
Reza a lenda que na gravação do solo presente no álbum, The Edge rebentou várias cordas da sua guitarra. O resultado foi de tal forma estrondoso, que a banda decidiu manter o solo tal como foi gravado.

______________________________


Para além de fechar o álbum, "Love Is Blindness" foi também utilizado para fechar os concertos da lendária digressão dos U2 - a ZooTV Tour (amplamente considerada como a melhor da banda, até hoje).


Ao tocar este tema no fim de um espectáculo enérgico como ZooTV, os U2 despediam-se do público da forma mais anti-climática possível. Porém, quando a digressão passou para os estádios, a banda decidiu acrescentar mais uma canção. Mas uma canção especial. Uma canção que fecha o arco de "Achtung Baby" da forma mais mais humana e verdadeira possível:


U2 - "Can't Help Falling In Love"

"Wise men say: 'Only fools rush in'. But I can't help falling in love with you"

Do amor.
Porque por pior doença que o amor seja, não conseguimos viver sem ele.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Queens Of The Stone Age - "I Appear Missing"

"A spitting image of me, except for the heart-shaped hole where the hope runs out"

Foi preciso chegar o 2º mês de 2014 para eu descobrir o melhor álbum de... 2013. Dizia-me um amigo que eu tenho andado a dormir. Tinha razão. Para deixar escapar "...Like Clockwork", só podia mesmo andar a dormir.
Honra seja feita à Rita - a amiga em quem eu mais confio para me apresentar música nova (recente, ou não). Ela raramente falha e aqui, acertou em cheio.



Faz agora uma semana, desde que ela introduziu o tema "I Appear Missing" na minha órbita e desde aí, fiquei agarrado.
Para terem uma ideia da dimensão do impacto sobre mim, segundo os registos do iTunes, já ouvi o tema mais de 30 vezes, isto sem contar com as visualizações no Youtube. Mas não ficamos por aqui: o meu mergulho no álbum mais recente dos Queens Of The Stone Age foi total e segundo os referidos registos, já foi ouvido na íntegra pelo menos 15 vezes. O frenesim absoluto, portanto.
Já não tinha um entusiasmo tão grande por um álbum novo desde 2011 e "Noel Gallagher's High Flying Birds".

Para Josh Homme - o vocalista, letrista e força motriz dos Queens Of The Stone Age - "...Like Clockwork" foi o produto de um processo de gestação muito complicado.
Para percebermos melhor a génese deste álbum, um pouco de História (esta foi também uma semana de estudo): desde 1998 até 2009, entre os QotSA, os Eagles Of Death Metal (que me foram apresentados como Pigeons Of Shit Metal através de um dos famosos rants de Axl Rose), os Them Crooked Vultures (que juntou Josh a Dave Grohl, dos Foo Fighters e John Paul Jones, dos Led Zeppelin) e os The Desert Sessions (que juntou Josh a um sem número de artistas, num projecto experimental), Josh lançou pelo menos um álbum por ano. Este ritmo de trabalho alucinante é inusitado nos dias de hoje e só comparável aos históricos artistas Rock nos anos 60 e 70. Porém, desde 2009, só se tem ouvido silêncio do músico californiano.
Em 2010, complicações durante uma operação ao joelho deixaram Josh Homme agarrado à cama durante 3 meses, atirando-o para uma depressão profunda. Consta que Josh terá até ponderado retirar-se da música.

O que se passou entre 2010 e Agosto de 2012 - quando os Queens Of The Stone Age regressaram ao estúdio para gravar este álbum - ninguém sabe ao certo. Mas terá sido esse o tempo que levou Josh Homme a marinar um audaz lote de canções, do mais catártico, profundo, honesto e revelador que já ouvi. Falo em audácia, porque contrariando a postura alfa que o caracteriza, Josh abre o livro neste álbum e mostra-nos os capítulos mais obscuros da sua vida.

"...Like Clockwork"  documenta a dobra de Josh Homme. Isto não é Rock pelo Rock, é Rock pela redenção, é Rock pela salvação da sanidade mental.
É aqui que "...Like Clockwork" fala fundo e bate forte no coração do ouvinte. No meu bateu com certeza e bateu com toda a força.
"Where are you hiding, my love? Cast off like a stone.
Feelings, raw and exposed when I'm out of control."

Também não sei o que se terá passado entre Josh e a sua mulher nesta época, mas boa coisa não pode ter sido. Se em "I Appear Missing", Josh descreve as suas lutas internas e os seus problemas de identidade, o que se ouve em "I Sat By The Ocean" parece induzir que a depressão que caía sobre Josh terá cavado uma distância entre ele e a sua mulher.
"Boy if you want love, you’ll have to go find it with someone new.
Do you know who you really are? Are you sure it’s really you?
Lies are a funny thing.
(...)
Silence is closer"
Quem escreve assim não anda na música para brincadeiras.
Este ângulo mais pessoal imprimido por Josh Homme foi acompanhado por uma abordagem mais melódica à música dos Queens Of The Stone Age. Certamente mais melódica do que aquela que os fãs estavam habituados, pelo que "...Like Clockwork" não foi recebido com o entusiasmo que merecia.



O processo de gravação do álbum foi, também ele, muito atribulado, com o baterista da banda Joey Castillo a ser despedido e substituído em metade das faixas por Dave Grohl. Para além de Grohl, o álbum conta ainda com as paticipações especiais de Trent Reznor (Nine Inch Nails), Alex Turner (Arctic Monkeys) e... Elton John. Exactamente, the legend himself, o enorme Elton John também está aqui e definiu "...Like Clockwork" como um dos melhores álbuns Indie Rock (o que quer que isso signifique) de todos os tempos.

Pela minha parte, enquanto tento evitar os superlativos absolutos (defini para mim próprio limitações nesse sentido, à falta de programas de reabilitação para o efeito), sem rodeios vos digo que estamos na presença de um álbum fenomenal, que condensa várias dimensões, musicais e emocionais, do melhor que o Rock nos pode proporcionar. Obrigatório.
Bastou-me uma audição para ficar completamente rendido a "...Like Clockwork". Imediatamente percebi que este foi, hands down, o melhor álbum de 2013 (vá, os superlativos absolutos ainda valem). Essa é uma característica das grandes obras-primas: é fácil reconhecê-las.