segunda-feira, 21 de março de 2011

Roger Waters - "One Of My Turns" / "Don't Leave Me Now" (Live in Berlin)

"...we came in?"
"Run to the bedroom, in the suitcase on the left you'll find my favorite axe"



Hoje chega a Lisboa aquele que é um dos maiores, se não o maior, espectáculo da História do Rock: a majestosa apresentação ao vivo do álbum "The Wall".
"The Wall Live" não é um espectáculo de divertimento qualquer. Não é bem disposto, não é alegre e não faz sorrir a plateia. A magia de "The Wall Live" está na profundidade da mensagem e na forma extravagante como é transmitida. Conteúdo e forma.

A forma traduz-se pela construção de um muro físico entre a audiência e o palco durante a primeira parte do espectáculo, sendo que a segunda parte é feita integralmente com o muro à frente da audiência.
O conceito pode ser estranho, mas tem muito que se lhe diga. Desde projecções em vídeo, lasers, bonecos insufláveis gigantes, porcos voadores, destruição de mobílias, guitarristas em gruas... Não faltam elementos para manter os sentidos do público em constante hiperactividade.

O conteúdo é de uma enorme complexidade, mas pode ser dissecado em diversos tópicos simples. O álbum é essencialmente uma obra auto-biográfica de Roger Waters, primeiro abordando os seus problemas de infância, com a dificuldade de adaptação à sociedade, mas principalmente devido à falta do seu pai, morto na 2ª Guerra Mundial, que nunca chegou a conhecer; e depois abordando os conflitos internos resultantes da adaptação à vida de uma estrela Rock.

Assim, "The Wall" retrata a vida de Pink, uma estrela Rock que tem uma infância muito perturbada, atormentada por professores tirânicos e uma mãe sobre-protectora. Quando adulto, Pink também sofre com a dificuldade para lidar com a pressão de ser uma estrela e as suas relações invariavelmente se dissolvem em rasgos de violência, infidelidade, ou abuso de drogas.
A forma que Pink tem de se defender de todos estes traumas é procurando o seu próprio isolamento, confinando-se ao abandono, à margem do resto do Mundo.
Metaforicamente, estes traumas são associados a tijolos no muro (bricks on the wall) e é assim que Pink vai construindo o muro ao longo da primeira parte de "The Wall".

A construção do muro é acompanhada pela espiral de auto-destruição de Pink (levando mesmo à auto-mutilação, vista no filme) e da sua descida à loucura, completa no fim da primeira parte de "The Wall", quando se despede do Mundo ("Goodbye Cruel World") e o último tijolo é colocado no muro.
Pink pensa que finalmente está protegido.

Já do lado de lá do muro, isolado do Mundo, na segunda parte de "The Wall" a crise psicológica de Pink dispara. Pink é assolado por uma letargia ("Comfortably Numb") que o leva a um estado alucinogénico, onde se depara com as suas lutas internas de identidade. Isto culmina num julgamento no seu subconsciente ("The Trial"), onde Pink é acusado de má conduta por todos os personagens da sua vida, nomeadamente de mostrar sentimentos, um crime que teria cometido ao se expor ao Mundo. O veredicto do juíz é a queda do muro, que devolve Pink ao Mundo, completando o seu processo de luta interna.

Esta é a leitura mais linear do conteúdo do álbum. Na prática, a construção do muro é uma técnica usada por todos nós para a luta contra os males que nos atacam, os traumas que nos assolam, os problemas que nos atravessam... O processo de construção do muro/luta interna/queda do muro é algo por que todos já passámos, mais cedo ou mais tarde nas nossas vidas, qualquer que tenha sido o motivo. É uma metáfora com a qual todos nós nos podemos identificar.
É esta a força, é esta a magia de "The Wall".


Se é verdade que este princípio funciona na perfeição para descrever um processo pessoal, não é menos verdade que também pode ser associado a fenómenos bem mais palpáveis. O Muro de Berlim é um caso paradigmático disso mesmo.
Usado para isolar Berlim Leste do Mundo Ocidental, também aqui houve um processo de luta que levou à queda do muro.

Foi na ressaca da queda do Muro de Berlim, que em 1990 Roger Waters deu um concerto na "terra de ninguém", entre Potsdamer Platz e as Portas de Brandenburgo, onde tocou o álbum "The Wall" na íntegra, replicando os concertos da digressão original. Este foi um dos maiores concertos da História do Rock, com uma assistência de aproximadamente 350 000 pessoas e também um dos mais importantes, devido à carga emocional que transportou.


Aqui vemos a sequência "One Of My Turns" / "Don't Leave Me Now", um dos clímaxes do espectáculo, em que o protagonista da história chega ao ponto de ebulição, em rumo descendente na sua espiral de loucura. Uma interpretação magnífica de Roger Waters, completa com a destruição de mobílias de um quarto.

Não sei ao certo o que vou ver, mas é mais ou menos isto que espero no concerto daqui a pouco, quando Roger Waters trouxer a Lisboa a digressão "The Wall Live".

"Isn't this where..."

4 comentários:

  1. Esta reportagem e entrevista com o Roger Waters é recente e pensei que te pudesse interessar (acho as reportagens do 60 Minutes bastante interessantes):

    http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=7409150n&tag=contentBody;storyMediaBox

    http://www.cbsnews.com/8301-504803_162-57437589-10391709/roger-waters-why-i-left-pink-floyd/

    :)

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    1. Rita, obrigado pela dica, acabei de ver e adorei!
      Os Pink Floyd são uma das minhas bandas preferidas e se me perguntarem qual é, para mim, a "melhor banda de sempre" (com toda a subjectividade adjacente a esse conceito), eles seriam também a minha resposta.
      Por isto, já dá para ter uma ideia do grau de interesse que esta entrevista poderia ter para mim! :)

      Relativamente ao conteúdo da entrevista, acaba por confirmar aquilo que eu tenho visto nos últimos tempo: por alguma razão, ou a soma delas (terapia, idade, cansaço...), o outrora egomaníaco prepopente que era o Sr. Waters foi amolecendo.
      O "The Wall Live", aqui, no Pav. Atlântico foi fabuloso, mas ao ver o muro num estádio (deve ter mais do dobro do comprimento), fiquei com água na boca para o ver novamente, mas em proporções ainda mais megalómanas! Ala Roger Waters, portanto. :)

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    2. Ainda bem que gostaste Nuno :))

      É daquelas bandas que gostava de me dedicar a conhecer muito melhor, sem ser superficialmente mas a densidade da obra deles e toda aquela dinâmica dentro do próprio grupo acaba por dificultar-me a tarefa, confesso.

      Eles inspiraram e influenciaram profundamente algumas das minhas bandas preferidas, é também isso que me faz admirá-los (e estar-lhes grata!) e me gera curiosidade.

      O concerto em Berlim, uma pessoa olha para aquele mar de gente e nem sequer consegue conceber uma multidão tão grande! O maior número de pessoas que tive à minha volta terá sido provavelmente no concerto do Bruce e já me pareceu muita gente! lol

      Se até eu fiquei com curiosidade em ver, depois daquelas imagens no estádio, imagino um fã como tu! :D talvez em 2013 consigas, parece que ele tem planos para voltar à Europa :)

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    3. Há tanto para dizer sobre Pink Floyd... Tanto, tanto, que sendo das bandas sobre as quais eu mais gostaria de escrever aqui, acabo por escrever muito pouco, uma vez que é muito difícil eu estabelecer um "filtro" na quantidade de informação que despejo... :P É como tu dizes, a história deles é tão densa, que se torna complicado seleccionar episódios para contar.

      Fica a certeza que "postarei" mais coisas interessantes sobre os Pink Floyd, num futuro próximo! :)

      Se o Roger Waters cá voltar em 2013 (dedos cruzados para um grande concerto em estádio), lá estarei com toda a certeza! E num camarote, uma vez que o espectáculo do "The Wall Live" é tão denso (lá está... ;-) ), que merece um lugar privilegiado para ser apreciado.

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